A minha gestação, embora breve, foi completamente normal. Descobri que estava grávida após quase dois meses de gestação; foi uma grande surpresa e uma enorme alegria. Passei cerca de dois anos sem tomar qualquer precaução para evitar uma gestação e começávamos a nos preocupar com este assunto quando, para nossa imensa felicidade, descobrimos que minhas cólicas eram a nossa pequenininha se ajeitando na parede do meu útero.
Os exames todos tiveram resultados absolutamente normais e estávamos muito tranquilos. Aos quatro meses de gravidez, iniciei uma disciplina da minha pós-graduação em São Carlos. Era uma disciplina obrigatória e meu plano era concluir esta disciplina com a Marina ainda na minha barriga para que depois eu pudesse curtir a minha neném em tempo integral, sem precisar me deslocar em seus primeiros meses de vida. Vale notar que São Carlos é distante do Rio, cerca de 650 km, distancia que eu percorria dirigindo, ida e volta, grávida. Por questão de algumas horas, não entrei em trabalho de parto dirigindo sozinha na estrada. Não consigo deixar de pensar em como eu e minha filha tivemos sorte.
Era de noite e eu começava a preparar meus materiais para pegar a estrada pela manhã. Comecei a me sentir febril e indisposta e fiquei preocupada pois eu precisava estar bem de manhã para conseguir dirigir com segurança. Mencionei com meu marido que estava me sentindo estranha e ele sugeriu que fossemos a uma emergência. Imediatamente eu dei uma risada e o chamei de dramático. Perto de meia noite ele foi dormir preocupado e me pediu que o chamasse caso eu continuasse a me sentir mal. A noite foi passando e eu não conseguia dormir devido ao mal-estar. Minha preocupação era com a estrada, eu precisava dormir, mas não era possível. Em certo momento senti falta dos movimentos da Marina. Levantei-me agitada e comecei a andar pela casa com as mãos na barriga, tentando sentir a Marina e tentando me convencer que era impressão minha, que eu estava imaginando coisas. Não sei até hoje explicar porque não acordei meu marido assim que comecei a suspeitar que a Marina não estava se movendo. Perto de cinco horas da manhã comecei a sentir dores. Fortes. Chamei meu marido às pressas, vestimos a roupa que nos apareceu e saímos correndo para um hospital (que não irei mencionar o nome) que aparentemente aceitava nosso plano e era próximo de casa. Não era o hospital em que havíamos decidido com o obstetra que a Marina iria nascer, pois este era longe e tínhamos pressa. Chegamos ao hospital e não havia médicos. Não podíamos perder tempo, as dores haviam se tornado intensas e ritmadas. Fomos para o lugar que nos veio à cabeça em segundo lugar, a Perinatal da Barra. Chegando lá fui imediatamente atendida e após me avaliarem identificaram que eu estava em franco trabalho de parto, já com 3 cm de dilatação. Já haviam me dado algumas medicações para reverter o processo e estavam analisando em que condições estava a Marina. O coração dela estava acelerado demais, sugerindo sofrimento fetal. O desespero de fato se instalou quando os batimentos dela caíram bruscamente. A partir deste momento tenho poucas lembranças. Quando entrei na sala em que fariam a cesárea e vi a mesa de cirurgia lembro de dizer pra alguém que estava ao meu lado que as dores haviam parado e que não havia necessidade de tirá-la da minha barriga. Ela nasceu em condições precárias. Seu primeiro APGAR foi 2 e me lembro de vê-la recebendo uma injeção de adrenalina. Neste momento, aumentaram minha sedação devido ao meu desespero e eu apaguei.
Apesar das difíceis condições iniciais, o segundo APGAR da Marina foi sete. Quando nos liberaram pra vê-la, como todos os pais de prematuros, nos assustamos com os fios, monitores, apitos, agulhas, e principalmente, com o tamanho diminuto de nossa filha. Ela nasceu com 830 g, peso adequado para sua idade gestacional. Achamos a pele dela muito escura e nos explicaram que a cor da pele se devia, em parte, ao sofrimento fetal e consequente oxigenação precária que estava recebendo na minha barriga. A melhor notícia que tivemos é que ela estava ‘estável’, mas que tinha uma grave infecção e devíamos aguardar com cautela as primeiras 48 horas. Esta infecção, aparentemente, foi o que ocasionou o parto prematuro, pois o meu exame de sangue também acusou infecção.
Comemoramos com emoção o fato de nossa filha ter resistido às primeiras 48 horas. Ingênuos ao longo e tortuoso percurso de um prematuro extremo em uma UTI neonatal, queríamos a confirmação de que ela ficaria bem. Mas a notícia mais animadora era, novamente, ‘ela está estável’. Mal sabíamos que isso seria o melhor que iríamos ouvir por um longo período de tempo. Nossa filha ficou internada por três eternos meses antes de vir conosco pra casa. Posso garantir que foram os meses mais intensos, desesperadores e emocionantes de nossas vidas.
Graças a Deus acabou tudo bem, felicidades.